sábado, 7 de outubro de 2017

BREVE HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA ( I ).

BREVE HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA ( I ).
Rev. João França
INTRODUÇÃO:                     
No estudo da Hermenêutica Bíblica é necessário compreendermos os caminhos percorridos pelos primeiros intérpretes da Palavra de Deus para a condição da hermenêutica atual.
Neste estudo observaremos uma breve história da Interpretação com vista à compreensão dos processos e métodos hermenêuticos existentes na atualidade; pois, somente uma caminhada na história da interpretação poderá nos auxiliar no caminho a seguir para uma interpretação segura da Palavra de Deus.
I – A INTERPRETAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO.
O Antigo Testamento é o primeiro documento da Escritura Sagrada a exigir uma interpretação. Quando lemos Neemias 8. Neste trecho vemos que o povo que regressara do exílio babilônico não compreendiam o que linha na Bíblia, por isso, Neemias e Esdras providenciaram os Targums que significa aqueles que explicam o texto.[1] E assim temos o primeiro processo interpretativo para a comunidade pectual.
1.      A Interpretação judaica no inicio da era Cristã:
Nos primórdios da era Cristã os rabinos judeus tendiam a seguir duas abordagens básicas para se detectar o sentido do texto sagrado.
a)      O Peshar:  É conhecido como o sentido “claro” ou “simples” que deriva a ideia de sentido literal ou sentido histórico do texto.
b)      O Remaz: Conhecido como sentido oculto da lei mosaica[2], dentro desse conglomerado. Havia também o sentido conhecido como derush termo geralmente usado para descrever o processo da exegese. O termo pode ser compreendido a partir da língua hebraica, no uso da palavra vr:*d< (derash) que tem uma gama de significados entre os quais temos: “tirar informações, indagar, procurar, buscar, preocupar-se, examinar, inquirir, pesquisar, exigir; ansiar” [3] e aqui denota “o estudo intenso, ou exame do sentido de uma passagem”.[4]
2.      A Interpretação Rabínica
Na interpretação rabínica desenvolveu-se grandes coleções de escritos interpretativos que no período cristão passou a ser conhecidos como o Mishnah, o Gemara e o Talmude.[5] Para nossos propósitos didáticos iremos apresentar apenas as regras de interpretação do famoso rabino Hillel:[6]
Regra 1: Inferência do sentido mais brando para o mais forte. Isto seria basicamente o que fazemos em filosofia dentro do silogismo. Partimos da premissa menor (o sentido mais brando) para uma premissa maior (sentido mais forte). O principio hermenêutico estabelecido é que aquilo que é verdade sobre o menor é igualmente verdade para o sentido maior.
P.e. Levando em consideração que o Sábado é mais importante  do que outros dias festivos, e aquilo que possa ser restrito no dia de Sábado era ainda singularmente mais aplicável ao dia de Sábado.
Regra 2: Analogia de expressões: As ambiguidades de passagens bíblicas eram superadas quando se fazia referências às expressões semelhantes dentro do corpo canônico.
P.e – A passagem de Levítico 16.29 diz que os judeus deveria afligir a alma no dia da expiação e  forma desse “afligireis a vossa alma” foi interpretada como um abster-se da comida com base na analogia da passagem de Deuteronômio 8.3 que usa a mesma expressão em referência ao estar com fome.
Regra 3: Aplicação por analogia com uma cláusula ou a extensão do específico para o geral.
Um principia geral era construído sobre a base de um ensinamento contido num versículo.
P.e. O caso de um homicídio culposo (sem a intenção) conforme descrito em Deuteronômio 19.
Regra 4:   Aplicação por analogia com duas cláusulas.
Isto significa que duas cláusulas bíblicas servem de base para um principio geral. Por exemplo, vemos em Êxodo 21.26-27. Nesta passagem lemos que se um escravo viesse a ter um “dente” ou um “olho destruído” este mesmo princípio deverá ser aplicado as outras partes do corpo.
Regra 5: Inferência de um princípio geral par um caso ou exemplo específico. Essa regra pode ser usada de duas maneiras – do geral para o específico ou vice-versa.
P.e O que é dito em Êxodo 22.9 – “qualquer coisa” pode ser aplicado a qualquer coisa que foi tomada por empréstimo e perdida e que deve ser reembolsada.
Regra 6: Explicação de outra passagem
            O uso de outra passagem para explicar a primeira passagem com vista a elucidação. Por exemplo, se o cordeiro pascoal deveria ser abatido caso o dia da páscoa caísse em sábado? Segundo esse princípio Números 28.10 fala de “sacrifícios diários” e por isso, o cordeiro deveria se sacrificado para a páscoa não importando o dia para isso.
Regra 7: Aplicação de uma inferência evidente por si só em um texto.
            Esta regra lembra que nenhuma declaração deve ser tomada de modo isolado, mas somente à luz do seu contexto.


II – A INTERPRETAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO.
            Neste momento o nosso estudo se ocupará em lidar com as questões relacionadas com a interpretação neotestamentária desde a forma como o Novo Testamento interpreta o Antigo até as avaliações interpretativas deste segundo testamento.
Antes de tudo devemos lembrar que há “224 citações diretas do Antigo Testamento dentro do Novo Testamento”.[7] Cristo fez bom uso do Antigo Testamento através de seus ensinos (Marcos 2.25-28 e João 7.23; João 10.34-36).
Paulo também faz bom uso no Antigo Testamento no Novo Testamento. Vemos ele valer-se de uma alegoria para referir-se a relação que o Cristão tem com a Lei conforme lemos em Gálatas 4.24-31.
No capítulo 10.1-6 de 1ª Coríntios encontramos Paulo fazendo aplicação de eventos históricos-redentivos como uma alusão à Cristo bem como referência ao novo momento que a Aliança se aplica à igreja. E ainda em Gálatas 3.29 Paulo argumenta que Cristo é o Messias baseando seu argumento na distinção entre singular e plural da palavra semente – ou descendente.
III – A INTERPRETAÇÃO NA PATRÍSTICA
            Uma fonte bastante interpretativa na História da Interpretação é certamente os escritos dos pais apostólicos. Por questões de espaço iremos apresentar, de forma lacônica, as ideias gerais das escolas de interpretação deste período:
3.1 – A Escola de Alexandria:
            Para esta escola de interpretação as Escrituras deveriam ser interpretadas alegoricamente.[8]Trata-se de uma das escolas mais antigas de interpretação.[9] O pai dessa escola de interpretação foi Clemente de Alexandria, ele “acreditava que as Escrituras ocultavam seu verdadeiro significado a fim de que fossemos inquiridores, e também porque não é bom que todos a entendam”.[10] Virkler lembra-nos que Clemente de Alexandria “ desenvolveu a teoria de que cinco sentidos estão ligados à Escritura (histórico, doutrinário, profético, filosófico, e místico), com as mais profundas riquezas disponíveis somente aos que entendem os sentidos mais profundos.”[11] O principio da alegorização se difundiu neste período que era quase impossível um escritor deste tempo não interpretar valendo-se dessa escola.
            Ressaltamos também que o conceito “de que a verdade se encontra alegoricamente oculta além da letra e da realidade visível”[12] era dominante neste escola interpretativa, ou seja, o sentido natural e simples da passagem não era considerado a verdade clara. Vejamos um exemplo da interpretação alegórica de Gênesis 22.1-4 em Clemente de Alexandria:
Quando, no terceiro dia, Abraão chegou ao lugar que Deus lhe havia indicado, erguendo os olhos, viu o lugar à distância. O primeiro dia é aquele constituído pela visão de coisas boas; o segundo é o melhor desejo da alma; no terceiro a mente percebe coisas espirituais, sendo os olhos do entendimento abertos pelo Mestre que ressuscitou no terceiro dia. Os três dias podem ser o mistério do selo (batismo) no qual cremos realmente em Deus. É, por consequência, à distância que ele percebe o lugar. Porque o reino de Deus é difícil de atingir, o qual Platão chama de reino de ideias, havendo aprendido de Moisés que se tratava de um lugar que continha todas as coisas universalmente. Mas Abraão corretamente o vê à distância, em virtude de estar ele nos domínios da geração, e ele é imediatamente iniciado pelo anjo. Por esse motivo diz o apóstolo: "Porque agora vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face", mediante aquelas exclusivas aplicações puras e incorpóreas do intelecto.[13]

Entretanto, o maior expoente da escola de interpretação alegórica foi Orígenes. Ele “é o membro mais  destacado da escola Alexandrina, e é ele quem afirma de forma mais completa e adequada os princípios da alegorização cristã”[14]. Ele sustentava a ideia de que cada parte da Escritura é alegórica. Ele entendia que o sentido literal é “valioso, mas algumas vezes obscurece o sentido primário, que é o espiritual. O literal é para os iniciantes, mas o espiritual é para os maduros na fé.”[15] Virkler nos lembra:
Orígenes acreditava que assim como o homem se constitui de três partes — corpo, alma e espírito — da mesma forma a Escritura possui três sentidos. O corpo é o sentido literal, a alma o sentido moral, e o espírito o sentido alegórico ou místico. Na prática, Orígenes tipicamente menosprezou o sentido literal, raramente se referiu ao sentido moral, e empregou constantemente a alegoria, uma vez que só ela produzia o verdadeiro conhecimento.[16]
Esse sistema interpretativo foi construído sobre a doutrina da correspondência, onde um elemento natural e físico nas Escrituras (sentido natural claro) é acompanhado de um elemento ou acontecimento análogo à realidade espiritual.[17]
3.2 – A Escola de Antioquia.
                Havia uma escola que se fazia oposição ao alegorismo alexandrino que ficou conhecida como Escola de Antioquia. O verdadeiro fundador desta escola foi provavelmente Luciano de Samosata. Outras acham que fora o Presbítero Diodoro o fundador da famosa escola. Entretanto, há dois fundamentais representantes desta escola de interpretação: Theodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo. Virkler sumariza para nós a distinção entre as duas escolas de forma bastante lacônica:
Teodoro de Mopsuéstía (c. 350—428), defendiam com o maior zelo o princípio da interpretação histórico-gramatical, isto é, que um texto deve ser interpretado segundo as regras da gramática e os fatos da história. Evitavam a exegese dogmática, asseverando que uma interpretação deve ser justificada por um estudo de seu contexto gramático e histórico, e não por um apelo à autoridade. Criticavam os alegoristas por lançarem dúvida na historicidade de muita coisa do Antigo Testamento[18]

Esta escola rejeitou a interpretação alegórica também fez a distinção entre o gênero alegórico e a interpretação alegórica; explicou os textos cristológicos do Antigo Testamento por meio da interpretação tipológica baseada nos padrões regulares das Escrituras, buscavam a intenção autoral como o sentido natural das Escrituras[19]. Ressaltamos que os Reformadores se identificaram com esta escola de interpretação.
3.3  - A Escola do Ocidente.
            Na patrística temos uma escola de interpretação ocidental que é conhecida como a mais eclética (ela vale-se tanto dos princípios dos alexandrinos quanto dos antioquianos). Segundo Kaiser a importância desta escola se dá exatamente porque  nela se insere a autoridade da tradição na interpretação bíblica[20] como algo importante a ser considerado. Os principais representantes desta escola são Hilário, Ambrósio e, especialmente, Jerônimo e Agostinho.
            Agostinho desenvolveu princípios hermenêuticos importantes em sua  obra  De Doctrina Christiana. Nesta importante obra ele ressaltou a necessidade de um sentido literal como sendo a base essencial para o sentido alegórico. Mas, ele mesmo não hesitou em usar o método alegórico de forma livre. Quanto uma passegem necessitava deu análise decisiva ele apelava para a regula fidei (regra de fé), que de acordo com o próprio Agostinho é conjunto de doutrinas da igreja. Aqui a tradição começa a ganhar força na interpretação das Escrituras.
Vale ressaltar que a Bíblia e a tradição (vista como o testemunho da Igreja) devem andar juntas, nos precisamos ouvir a ambas ou como coloca sabiamente um autor reformado presbiteriano:
A Bíblia sozinha seria a religião dos protestantes. O problema e que a Bíblia nunca esta sozinha. O próprio Calvino, que falou da autoridade da Bíblia nos termos mais elevados, sempre leu-a e ouviu-a segundo as tradições. Sua revisão litúrgica foi feita de acordo com as praticas da Igreja Antiga, o mesmo sucedendo com a organização eclesiástica por ele desenvolvida[21]
Agostinho fez com que a tradição se avultasse sobre as Escrituras de forma  prejudicar a interpretação da mesma. Queremos deixar claro que podemos ler a Bíblia com as tradições, o problema encontra-se quando as tradições estão se opondo a Bíblia. A Igreja é a coluna e baluarte da verdade (1 Tm.3.15). E vivemos uma época em que a historia da igreja (que funciona como testemunho para nós) tem sido negligenciada, mais uma vez Leith nos adverte para isso:
Os protestantes têm sido sempre tentados a crer que, de alguma forma, podem ignorar todos os séculos da historia crista, estudando a Bíblia sem ajuda e os embaraços dos que os antecederam. Na verdade, porem, aqueles que se recusam a ler a Bíblia a luz das tradições da Igreja acabam sendo dominados pelas suas próprias tradições históricas e culturais[22]
Agostinho também seguiu, infelizmente, o método chamado de quadriga. Que consistia em compreender que as Escrituras possuíam um sentido quádruplo:
1.      Histórico; 2. Etiológico (uma investigação da origem e das causas); 3. Analógico e 4. Alegórico. Este método surgiu com João Cassiano sobre a cidade Jerusalém ele ensinou: Jerusalém literalmente significa a cidade dos Judeus; alegoricamente  Jerusalém é a igreja (Salmos 46.4-5); Tropologicamente , Jerusalém é a alma (Salmos 147.1-2,12); e, anagogicamente, Jerusalém é nosso lar celestial (Gálatas 4.26). O próprio Cassiano reconhecer que o sentido da quadriga  não se aplicava a todos os textos das Escrituras, e enfatizava a busca pelo sentido natural e literal do texto sagrado.[23]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1.      ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006
2.      GRANT, Robert.; TRACY, David. A Short History of the Interpretation of the Bible USA: Fortress Ress,1984
3.      KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009
4.      LEITH, John. A Tradição Reformada – Uma Maneira de ser a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1999
5.      LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004
6.      NICOLE, Roger. New Testament Use Of The Old Testament in: Carl F. H. Henry - REVELATION AND THE BIBLE Contemporary Evangelical Thought.
7.      SCHWANTES, Milton. Dicionário de Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Paulo: Vozes e Sinodal,  2003, p.51.
8.       VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987




[1] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.204.
[2] Idem
[3] SCHWANTES, Milton. Dicionário de Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Paulo: Vozes e Sinodal,  2003, p.51.
[4] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.51
[5] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.204.
[6] Ibid, p.205-206.
[7] NICOLE, Roger. New Testament Use Of The Old Testament in: Carl F. H. Henry - REVELATION AND THE BIBLE Contemporary Evangelical Thought , p.137.
[8]KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.211.
[9] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006 ,p.27.
[10] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[11] Idem.
[12] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.51
[13] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[14]GRANT, Robert.; TRACY, David. A Short History of the Interpretation of the Bible USA: Fortress Ress,1984, p.56
[15] LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p.132.
[16] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 44.
[17] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.212.
[18] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica Avançada. São Paulo: Vida, 1987, p. 46.
[19] ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Introdução à Hermenêutica Reformada. Ananindeua: Knox, 2006 ,p.61
[20] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.214
[21] LEITH, John. A Tradição Reformada – Uma Maneira de ser a Comunidade Cristã. São Paulo: Pendão Real, 1999, p. 20
[22] Idem.
[23] KAISER JR, Walter. C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.214.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

IDENTIDADE CONFESSIONAL - A DOUTRINA DA REVELAÇÃO - ESTUDO 01

CURSO DE IDENTIDADE PRESBITERIANA
CONHECENDO A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Caixa de texto: DISCIPULADO REFOMADO
Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Aula 01 – A Doutrina da Revelação
INTRODUÇÃO:
            A confissão de Fé inicia o seu capítulo de abertura tratando o tema da Sagrada Escritura onde aborda o tema da revelação de Deus; uma vez que se conhece a revelação que Deus faz de si mesmo pelas Escrituras se pode de forma clara conhecer mais sobre o ser de Deus.
            Nesta aula abordaremos este tema sob as seguintes proposições: em primeiro lugar, trataremos da revelação considerada em si e o registro da revelação.
I – A DOUTRINA DA REVELAÇÃO CONSIDERADA (CFW, I.1)
            Nesta seção entramos logo de imediato no conceito de revelação. O que é revelação? James I. Packer nos apresenta o seguinte conceito mostrando que “o termo procede do latim “revelare” e significa “tirar o véu” ou “descobrir”.[1]É tornar claro aquilo que Deus tencionou comunicar ao seu povo, e isto ele faz de forma deliberada. Quando consideramos este ensino aprendemos que há dois aspectos da revelação: A Revelação Geral e a Revelação Especial.
1.1  – A Revelação Geral.
Neste aspecto Deus se revela por meio das coisas que forma criadas dentro desta categoria temos a Revelação Geral Imediata, onde Deus, comunica sua vontade diretamente ao homem implantando a lei. A CFW declara que “a luz da natureza e as obras da criação” revelam o ser de Deus em seus atributos (bondade, sabedoria, poder). A expressão “luz da natureza” significa que algo Deus revela ao homem em sua natureza (Romanos 2.14,15). O quadro abaixo nos ajuda a visualizar este ensino[2]:






           

            O segundo aspecto a ser considerado é que a revelação Geral também é Mediada, ou seja, ela é comunicada por meio das “obras da criação e da providência” conforme vemos aqui na Confissão de Fé de Westminster, a criação prega à existência de Deus (Salmos 19
.1-4). Paulo Anglada nos lembra que o “universo físico é uma pregação”. [3]A criação também revela os atributos de Deus (Romanos 1.18-20) este aspecto torna os homens indesculpáveis diante de Deus.
1.2  – A Revelação Especial:
A Revelação Geral não pode levar o homem ao caminho da vida conforme vemos na Confissão de Fé: “contudo não são suficientes para transmitir aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação”; então, agradou ao Senhor em revelar a sua vontade de forma especifica “em diversos tempos e diferentes modos”.
Esta revelação especial deu-se nos moldes do Antigo Testamento por meio da revelação dos profetas que eram modos incompletos da revelação de Deus (Hebreus 1.1-2). Mas, para “preservar e propagar a verdade” gerando segurança e “conforto da igreja contra a corrupção da carne e a malícia de Satanás e do mundo” Deus fez com que esta revelação “fosse plenamente escrita”. A Revelação Especial é a vontade de Deus encerrada nas Escrituras, é o que está escrito hoje que guia o povo de Deus (Mateus 4.4,7,10). De sorte, que as Escrituras são “totalmente” indispensáveis, e por isso, as antigas formas de Deus revelar a sua vontade já cessaram. Não há mais hoje revelações extraordinárias: línguas, profecias e visões (Hebreus 1.1-2) sendo a Bíblia suficiente (2ª Timóteo 3.15-17).
II – A NATUREZA E O REGISTRO DA REVELAÇÃO (CFW I.2)
            A segunda seção do capítulo primeiro da Confissão de Fé de Westminster trata da natureza da revelação especial (Escritura) e o registro desta revelação conforme encontramos em nossas Bíblias.
            A natureza da revelação é “sagrada” isto quer dizer que ela é distinta dos demais livros; o apóstolo Paulo relembra este fato ao escrever em 2ª Timóteo 3.15 que é a sacralidade da palavra que pode tornar o jovem Timóteo sábio para a salvação. Mas o que aprendemos aqui:
2.1 – Que a Bíblia é a Palavra de Deus escrita:
            Aqui nós vemos que o ensino do Liberalismo Teológico não se sustenta porque nega que as Escrituras sejam a revelação especial de Deus, pois, rejeitam os milagres que ali se registra, isto porque o Liberalismo procura “interpretar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma perspectiva iluminista”.[4]
Também aqui a CFW se contrapõe à chamada Neo-Ortodoxia que foi fundada por Karl Barth, ele ensinava que a revelação de Deus se dava em três esferas: na criação, no querygma [pregação] da igreja e na Escritura – segundo ele Deus fala-nos por meio de uma Bíblia cheia de erros e contradições. O conceito barthiano é empirista, pois, a palavra de Deus torna-se tal quando sentimos e a vivenciamos.
 A Escritura é a nossa fonte de autoridade e não a experiência (Lucas 16.29-31); a Bíblia não se torna ou contém a Palavra de Deus, ela é a revelação de Deus ao homem.
2.2 – A Revelação Especial consiste em uma unidade.
            A CFW assegura que a Escritura, como Revelação de Deus, forma uma unidade entre os dois testamentos “incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento”. Aqui aprendemos de imediato que é enganosa aquela ruptura proposta pela escola de interpretação chamada de Dispensacionalismo que advoga existir uma distinção ente a lei e a graça, entre o Antigo e o Novo Testamento A Bíblia de Scofield acentua essa distinção nos seguintes temos:
Que o cristão herda agora as promessas características dos judeus não foi ensinado nas Escrituras. O cristão é da semente celestial de Abraão e participa das bênçãos espirituais da Aliança Abraâmica; mas Israel como nação sempre terá o seu próprio lugar e ainda receberá a maior exaltação como o povo de Deus na terra.[5]
Isso implica que se adotarmos a leitura do Dispensacionalismo estaremos contradizendo o apóstolo Paulo em Romanos 15.4. O que nos chama atenção na argumentação paulina é que ele diz “tudo” (o[sa- hosa) nada é deixado de fora; o que “foi escrito antecipadamente” (proegra,fh – proegráfê) tem por objetivo o ensino da Igreja. E assim a igreja neotestamentária é confortada e consolada.
Greidanus comenta o seguinte:
Já que os antigos israelitas e nós somos um povo da aliança por meio de Cristo, o Deus deles é o nosso Deus, os antepassados deles são nossos antepassados, a história deles é a nossa história, e a esperança deles é a nossa esperança. Do mesmo modo, os livros deles são os nossos livros, pois os livros que Deus tinha pretendido, antes de tudo para eles são “úteis” também para nós (2 Tm.3.16)[6].
Então, devemos rejeitar toda e qualquer noção de ruptura entre o Antigo e Novo Testamento. Pois, o Antigo e o Novo Testamento formam a unidade da Palavra de Deus.
            2.3 – A Revelação Escrita é nossa Regra:
            Ainda aqui nesta segunda seção nós aprendemos que a regra absoluta é a Sagrada Escritura. A CFW nos diz que a Palavra de Deus é a nossa regra em duas esferas:
a)      É nossa regra de fé -  os livros inspirados por Deus nos foram dados para constituírem “a regra de fé”. O que isto quer dizer? Quer dizer que tudo o que se refere ao culto e a vida religiosa diante de Deus que tem a palavra final é a Palavra de Deus escrita, ou seja, a Bíblia. ou seja, tudo o que nós cremos deve ter base bíblica. Devemos estar fundamentados na doutrina dos apóstolos e profetas: “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular;” (Efésios 2.20).
b)      A Bíblia também é a nossa regara de conduta: Ou seja, aqui se ensina que o nosso comportamento tem que ser moldado pelos ensinos claros das Escrituras. Isto significa que a nossa ética e moralidade deve ser baseado naquilo que as Escrituras determinam que façamos; pois, toda conduta que esteja em desarmonia com as Escrituras deve ser corrigida, tratada e modificada. A Escritura não nos foi dada apenas para questões doutrinárias, mas também para questões práticas: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Timóteo.3.16-17 ).
Conclusão:
 Neste estudo vimos que a Revelação de Deus se dá por meio da sua lei que é implantada em cada coração humano neste mundo; mas, também a mesma revelação é comunicada pelas obras da criação e da providência; ainda que seja, uma revelação divina não é suficiente para comunicar a vontade salvadora de Deus; esta vontade redentiva só é comunicada pela Revelação Especial de Deus conforme se encontra encerrada e registradas nas páginas da Bíblia Sagrada.
Questionário.
1)      O que é revelação?
2)      Apresente a distinção entre Revelação Geral e Revelação Especial?
3)      A Bíblia é que tipo de Revelação?
4)      A Escritura é a nossa regra. Mas qual esfera ela é a nossa regra?
5)      Há novas revelações hoje? Por quê?
6)      O que revelação Geral Imediata?
7)      Explique os textos: Hebreus 1.1-2; 2ª Timóteo 3.15-17.
8)      A Confissão de Fé de Westminster ensina a cessação dos dons? Em que parte?




[1] PACKER, James I. Vocábulos de Deus. São Paulo: FIEL, 2002, p.15
[2] SPROUL, R.C. Verdades Essenciais da Fé Cristã – Caderno 1. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p.10
[3] ANGLADA, Paulo R. B. Sola Scriptura – A doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos, 1998, p.26
[4] COSTA, Herminstem Maia Pereira da. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p.287
[5] Apud, SANTOS, Valdeci S. Anotações da Bíblia de Scofield sob uma ótica Reformada. In: FIDES REFORMATA, janeiro – junho, 2000, vol. V, n. 1, pp. 135 – 148.
[6] GREIDANUS, Sidney. O Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo – Interpretando e Pregando Literatura Bíblica. Tradutor: Edmilson Francisco Ribeiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p.211.

DOS CREDOS EM GERAL

DOS CREDOS EM GERAL
Rev. PHILIP SCHAFF, D.D., LL.D.,
Tradução: Rev. João Ricardo Ferreira de França.

Literatura Geral:
Wm. Dunlop (Prof. of Church Hist. at Edinburgh, d. 1720): Account of all the Ends and Uses of Creeds and Confessions of Faith, a Defense of their Justice, Reasonableness, and Necessity as a Public Standard of Orthodoxy , 2d ed. Lond. 1724. Preface to [Dunlop's] Collection of Confessions in the Church of Scotland , Edinb. 1719 sq. Vol. 1. pp. v.–cxlv.
J. Caspar Köcher: Bibliotheca theologiæ symbolicæ et catechetiæ itemque liturgicæ, Wolfenb. and Jena, 1761–69, 2 parts, 8vo.
Charles Butler (R.C., d. 1832): An Historical and Literary Account of the Formularies, Confessions of Faith, or Symbolic Books of the Roman Catholic, Greek, and principal Protestant Churches. By the Author of the Horæ Biblicæ, London, 1816 (pp. 200).
Charles Anthony Swainson (Prof. at Cambridge and Canon of Chichester): The Creeds of The Church in their Relations to the Word of God and to the Conscience of the Individual Christian (Hulsean Lectures for 1857), Cambridge, 1858.
Francis Chaponnière (University of Geneva): La Question des Confessions de Foi au sein du Protestantisme contemporain, Genève, 1867. (Pt. 1. Examen des Faits. Pt II. Discussion des Principes.)
Karl Leohler: Die Confessionen in ihrem Verhältniss zu Christus, Heilbronn, 1877.
The introductions to the works on Symbolics by Marheineke, Winer, Möhler, Köllner, Gunricke, Matthes, Hofmann, Oehler, contain some account of symbols, as also the Prolegomena to the Collections of the Symbols of the various Churches by Walch, Müller, Niemeyer, Kimmel, etc., which will be noticed in their respective places below.


§1. - Nome e Definição

          Um Credo[1] ou Regra de Fé,[2] ou Símbolo,[3] é uma confissão de fé para uso público, ou uma forma de palavras com autoridade, certos artigos de fé, os quais são considerados pelos formuladores como necessário para a salvação, ou no mínimo para o bem-estar da Igreja Cristã. Um credo pode abarcar áreas inteiras da doutrina e pratica Cristã, ou contém só alguns pontos que são considerados fundamentais e suficientes, ou que possam está em disputas. Pode está na forma declaratória ou interrogativa. Pode ser breve e popular (como o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno), para o uso mais geral na instrução caquética e batismo; ou mais elaborado e teológico, para ministros e professores, como um padrão de doutrina pública (Os Livros simbólicos do período da Reforma). Em segundo lugar, uma Confissão de Fé é sempre resultado de uma controvérsia dogmática, e mais ou menos direta e indiretamente uma oposição polêmica contra o erro. Cada símbolo carrega a marca de sua época e a situação histórica que a fez surgir. Existe um desenvolvimento na história dos símbolos. Eles assumem mais um formado definitivo com o progresso do conhecimento teológico e bíblico. Eles são as principais mudanças e desenvolvimento na história da doutrina Cristã. Eles personificam a fé de gerações, e a maioria valoriza resultados das controvérsias religiosas. Eles ainda moldam e regulam o pensamento teológico e o ensino público das igrejas dos Cristãos. Eles mantém vivos os debates sectários e antagonismos, mas eles também revelam um acordo subjacente, e prefiguram a possibilidade de uma harmonia futura.




[1] No início do Credo dos Apóstolos (eu creio) o qual o termo é mais aplicado particularmente.
[2] Kanōn tēs pisteōs ou tēs alētheias (ka,nw/n th/j piste,ouj ou th/j λθεια – nota do tradutor), regula fidei, regula veritatis. [NT – regra da fé, Regra da verdade]. Estes são os termos mais antigos utilizados pelos pais ante-nicenos, Irineu, Tertuliano etc...
[3] Símbolo, symbolum (do grego sumballein, de jogar juntos, para comparar) significa uma marca, emblema, palavra de ordem, teste. Foi usado pela primeira vez com um sentido teológico por Cipriano, AD. 250 (Ep.76 até 69, ad Magnum, onde é dito do cismático Novaciano, ‘eodum symbolo, quo et nos, baptizare’[NT – pelos mesmo símbolo, em que tanto nós, fomos batizados], e em seguida, de forma geral desde o IV século. Foi principalmente aplicada ao Credo dos Apóstolos  como a confissão batismal pela qual os cristãos poderiam ser conhecidos e distinguidos dos judeus, pagãos e hereges